Baú de Menino

Aprendendo a dividir

      Hoje durante nosso passeio da tarde aconteceram duas coisas totalmente antagônicas que me fizeram pensar sobre a importância de ensinar nossos pequenos a dividir, desde cedo, desde sempre…
     Não tem aquele ditado que diz que a tal da grama do vizinho é sempre mais verde? Deveria ter um dizendo que o brinquedo do outro é sempre mais legal, né? Quando saímos para o parquinho levo um monte de opções de entretenimento, quase tenho que levar um carrinho pro filho e outro pros carrinhos, livros, bola, tudo pra ocupar o mocinho. Mas não adianta, o baldinho do outro menino é sempre mais interessante e lá vai o Vicente tentar pegá-lo. E também não é novidade que as crianças têm dificuldade para dividir as coisas, porque pra eles (principalmente os menores) o mundo gira em torno do seu umbiguinho, tudo é deles e dividir algo pode ser sinônimo de perder uma parte de si. Mas felizmente a maioria das mães é bem compreensiva e mesmo que eu diga “Vicente, esse é do menino, o seu está aqui” elas dizem “Tudo bem, pode brincar”, ou a gente faz aquela negociação e troca um balde por uma pá e está tudo certo.

      Hoje estávamos indo pro parque e no tram (que é tipo um bonde elétrico que tem aqui) tinha uma menina (de uns 4 anos mais ou menos) no carrinho ao lado comendo um pedaço de panetone. O Vicente olhou pra ela, interagiram um pouco, eu me distraí e quando vi o Vicente estava aceitando um pedaço do doce que a menina ofereceu pra ele. Disse pra ele falar “Danke” (Obrigado em alemão), o pai da menina olhou, riu, ficou por isso… Achei muito fofa a atitude da menina, sem ninguém falar nada e ela dividiu o doce (que já nem era tão grande) com ele.

      Fomos até o lago de Zurique (qualquer dia faço um post mostrando que lugar lin-do!), passeamos lá, jogamos bola, fizemos piquenique, olhamos os patos, Vicente interagiu com os artistas de rua etc. e tal. Na volta, novamente no tal do bonde, parou um carrinho do nosso lado com um menino que deveria ter entre 3 e 4 anos, comendo uma barrinha de cereal. O meu pequeno guloso nem espera muito, estende a mão e solta um “pão” (no quesito comida ele fala “mamão” e “nana” (banana), o restante pra ele entra na categoria “pão”: bolacha, bolo, pão e nesse caso a barrinha de cereal. O menino coloca a tal da barrinha de lado e solta um “NÃO!” (sim, em português). O Vicente insiste, aponta pro doce e repete “pão, pão”. (Gente, eu juro, no parque ele tinha comido um monte de uva e bolacha, não sou tão desnaturada assim pra deixar ele com fome, hahahah). O menino insiste, num português claro “Não!”. Olho pra mãe, que estava dando uma risadinha, abro a boca pra perguntar se era brasileira (apesar de não ter cara, hehe) e nisso o menino vira pra olhar pra ela com uma expressão de “Mãe, ele quer minha barrinha” e ela responde pra ele (em inglês) “Tudo bem, é seu, não precisa dar”. E o Vicente parecia um papagaio “pão, pão, pão” e eu “Calma, Vicente, já vamos descer e aí a mamãe compra um pão pra você”.
NÃO! NÃO e NÃO! (Imagem da internet)
      Na hora achei engraçadinho e tal, depois fiquei repensando a situação. Não sei se é coisa de brasileiro, mas quando o Vicente está comendo algo sempre o incentivo a dividir. Se ele oferece pra outra criança, tomo o cuidado de perguntar pros pais se está tudo bem, se ele pode dar, porque a gente nunca sabe, né, tem pessoas que não gostam por não saberem a origem daquele alimento, ou porque não dão tal coisa pro filho, ou pode ser ainda que a criança tenha alguma alergia, vai saber… Acho educado perguntar antes. Mas de qualquer forma digo pra ele dar um pedaço, pra partilhar. Ou emprestar o brinquedo, ou deixar a amiguinha dar uma volta na bicicleta e depois trocarem… Porque penso que eles já têm isso tão forte nessa fase (de ser meio egocêntricos) que cabe aos pais mostrarem que é legal, que faz parte abrir mão de um pouco do que é nosso e dividir com o outro. Depois vai ser a vida toda assim mesmo, né não? O que seria de nós se não fossem os favores e as trocas e os presentes e as “mãozinhas” que a gente vai recebendo no dia a dia?
      Mas acho que o Vicente não se deixou abalar, não… Ele ganhou um pãozinho delicioso, comeu mais da metade, e na volta, agora no ônibus, ofereceu água pra duas senhorinhas que estavam sentadas na nossa frente. Na saída, como sempre, ainda deu tchauzinho e jogou muitos beijos, fez o dia das senhorinhas, e o meu… Esse é o meu menino! E imagino que ele ainda está se perguntando que raios aquele menino estava querendo dizer, porque antes ele só falava “nein, nein” (não em alemão, porque acho importante ele saber esses comandos – como obrigado, sim, não – na língua local, e por isso estava ensinando-o assim).  Mas quando chegou em casa ele enchia a boquinha e não parava de falar “NÃO! NÃO!”…
      “Menino estranho aquele que não quis dividir o pãozinho comigo”, pensou o Vicente…